Artigos Científicos

ALTERAÇÕES MIOFUNCIONAIS ORAIS EM UM PORTADOR DE SÍNDROME DE DOWN DE 57 ANOS (2010)

Myofunctional oral alterations with a Down's syndrome man of 57 years old.

AUTOR(ES): Sabrina Leão Bastos (1), Fernanda Borowsky da Rosa (2)

(1) Fonoaudióloga, especialista em Motricidade oral com ênfase em Fonoaudiologia Hospitalar do Centro Universitário Nilton Lins, UNL, Manaus, Amazonas, Brasil.
(2) Fonoaudióloga, coordenadora do curso de pós-graduação em Motricidade Oral do Centro Universitário Nilton Lins, UNL, Manaus, Amazonas, Brasil.

 RESUMO

Tema: A síndrome de Down é um comprometimento cromossômico, caracterizado pela triplicação do material genético durante a divisão celular, resultando em diferenças anatomofisiológicas. Dentre estas alterações, estão as miofuncinais orais e a senilidade prematura. Com a evolução técnica da medicina, a qualidade e a expectativa de vida do portador de síndrome de Down vem aumentando nos últimos anos. Como se sabe, sujeitos com esta síndrome apresentam envelhecimento mais acelerado e, consequentemente uma sintomatologia semelhante à de indivíduos idosos, ficando evidente que estes indivíduos apresentam alterações na motricidade oral tais como projeção lingual com ou sem macroglossia; dificuldade no vedamento labial; hipotonia labial e lingual; dificuldade na mastigação; hipotonia orofaríngea dificultando a deglutição de saliva e de alimentos líquidos ou sólidos; disfunção da ATM e respiração oral. Tais sintomas acabam sendo agravados pelo surgimento de alterações características do envelhecimento. Objetivo: identificar as alterações miofuncionais orais em um indivíduo portador de síndrome de Down de 57 anos. Metodologia: O tipo de pesquisa utilizada foi o estudo de caso. Os procedimentos foram realizados através da coleta de dados de uma avaliação da motricidade oral, sendo realizada em um paciente do sexo masculino, portador de síndrome de Down de 57 anos. Resultados: foram encontradas alterações nos órgãos fonoarticulatórios e nas funções estomatognáticas típicas de um portador de síndrome de Down, e ,ao mesmo tempo, observaram-se alterações típicas do envelhecimento, sendo elas a diminuição da tonicidade, mobilidade, coordenação e sensibilidade orofaríngea; interferindo no adequado funcionamento da mastigação e deglutição. Conclusão: de acordo com os dados encontrados, fica claro que pacientes portadores de síndrome de Down em idade avançada, apresentam maiores complicações em sua motricidade orofacial devido à associação entre as alterações próprias da síndrome e as alterações características do envelhecimento que ao surgirem mais precocemente, agravam as alterações já existentes.
Descritores: síndrome de Down, motricidade oral e envelhecimento.

ABSTRACT

Theme: Down's Syndrome is a chromosome implication, characterized by the triplication of the genetic material during the cellular division, resulting in anatomophysiologicals differences. Among these alterations, there are myofunctional oral and the premature senility. With the technical evolution of the medicine, the quality and the bearer life expectation of Down’s syndrome comes increasing in the last years. As if it knows, subject  with this syndrome present more accelerated aging and, consequently a similar semeiotics to of senior individuals, it is evident that these individuals present alterations in oral motor very typical, and such symptoms finish being worsened by the aging characteristic alterations appearance. Methods: It was accomplished data collection through oral motricity, being accomplished in a patient of the masculine sex, bearer of SD 57 years old. Results: They were found alterations in the organs and in the functions phonoarticulatory stomatognathic typical of a down’syndrome bearer and at the same time typical alterations of aging were observed. Conclusion: According to the found datas, it is clear how down syndrome patient bearers in advanced age, present larger complications in its motor oral due to the association among own alterations of the syndrome and the characteristic alterations of the aging that to the arise more precociously, they worsen the alterations already from the syndrome.
keywords: Down's syndrome, oral motricity and olden.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Down (SD), ou trissomia do 21, é um comprometimento cromossômico, caracterizado pela existência de um cromossomo a mais, causando uma triplicação ao invés da duplicação do material genético durante a divisão celular. Ou seja, ao invés de haver 46 cromossomos agrupados em 23 pares, existem 47, identificando-se o cromossomo extra no par 21. A síndrome também pode ser causada por translocação ou mosaicismo (Ideriha, 2005; Malgarin et al., 2006; Cavalcante; Pires; Scarel-Caminaga, 2009; Lima et al., 2009; Barata; Branco, 2010).
     As alterações orofaciais evidentes são a face curta; subdesenvolvimento da maxila; pseudomacroglossia e macroglossia; fissuras linguais e labiais; hipotonia de língua e lábios; ausência de vedamento labial; alterações dentárias de erupção, número, forma, tamanho e estrutura; perda precoce de elementos dentários; palato ogival; prognatismo; mordida aberta anterior e oclusão Classe III; disfunções da articulação temporomandibular (ATM); hipertrofia de tonsilas, adenóides e papilas gustativas, além de respiração bucal tendo como sintomas associados xerostomia e infecções respiratórias (Macho e col., 2008; Cavalcante; Pires; Scarel-Caminaga, 2009; Barata; Branco, 2010).
     O portador de SD apresenta desenvolvimento motor defasado, decorrente da hipotonia generalizada que interfere no desenvolvimento de outras áreas. As principais características miofuncionais orais segundo Ideriha (2005); Pérez; Moreno (2006) e Barata; Branco (2010) são: projeção lingual com ou sem macroglossia, causando dificuldade no vedamento labial e portanto no controle para a deglutição da saliva e do alimento; hipotonia labial dificultando o vedamento; hipotonia lingual resultando em dificuldade na mastigação, comprometendo a movimentação do bolo alimentar no interior da cavidade oral; hipotonia orofaríngea dificultando a deglutição de saliva e de alimentos líquidos ou sólidos, disfunção da ATM e respiração oral.
     A expectativa de vida do portador de SD vem aumentando significativamente nos últimos anos. Isto se deve à evolução técnica da medicina e à melhoria das condições materno-infantis. A melhora na qualidade de vida deste indivíduo é uma preocupação dos profissionais da saúde, o que vem contribuindo para o seu crescimento e desenvolvimento harmonioso. Isto se deve aos tratamentos e terapias que estão sendo iniciados mais precocemente como a fisioterapia e a fonoterapia, contribuindo para o melhor desenvolvimento do sujeito com SD (Macho e col., 2008).
     Segundo Cavalcante; Pires; Scarel-Caminaga (2009), o indivíduo com SD apresenta senilidade prematura, provavelmente relacionada a um dano aos lipídeos de células nervosas. Em praticamente 100% dos casos, ocorrem modificações neuropatológicas idênticas às encontradas em indivíduos com a doença de Alzheimer, a  partir dos 35 anos, comprovando o envelhecimento precoce. Macho e col. (2008), também afirmam a ligação desta síndrome com o surgimento precoce da doença de Alzheimer.
     Sannomiya; Calles (2005), realizaram uma pesquisa para comparar a idade óssea com a idade cronológica de portadores de SD, utilizando como método o índice de Eklof & Ringertz index with hand wrist radiographies e constataram uma diferença estatísticamente significativa entre elas, sendo a idade óssea estimada maior que a cronológica, comprovando-se mais uma vez o envelhecimento precoce.
     Com o avanço da idade, ocorrem mudanças evidentes na motricidade oral do indivíduo, devido à diminuição da força muscular, mobilidade, coordenação e sensibilidade orofaríngea (Dantas, 2008). Tais mudanças trazem prejuízos aos órgãos fonoarticulatórios e suas funções estomatognáticas.
     No envelhecimento surgem as seguintes alterações: aumento da quantidade de tecido conjuntivo da língua; perda de elementos dentários; alteração da mastigação devido à deficiência da arcada dentária ou prótese mau adaptada; xerostomia devido à atrofia das glândulas salivares menores ou pela diminuição do número total destas glândulas; hipotonia muscular da orofaringe permitindo à eversão do lábio inferior e projeção anterior da língua; prolongamento da fase orofaríngea da deglutição; dificuldade na preparação, manipulação e ejeção do bolo alimentar; estase em recessos piriformes; múltiplas deglutições; contração faríngea reduzida; redução do grau de elevação anterior da laringe; atraso no início da excursão hiolaríngea; discreto aumento do trânsito faríngeo e aumento da duração da onda de pressão faríngea (Magalhães; Bilton, 2004; Suzuki, 2006; Bigal et al., 2007; Dantas, 2008; Marcolino et al., 2009). Outro sintoma próprio do processo de envelhecimento é a hipotonia de língua, dificultando a mastigação de sólidos. Isto faz com que o idoso opite por alimentos mais macios e úmidos, sendo estes de fácil deglutição (Bigal et al., 2007).
     A vivência no trabalho miofuncional oral com pacientes idosos, dispertou o interesse para o estudo dos casos de pacientes com SD em idade avançada. Já é sabido que sujeitos com esta síndrome apresentam envelhecimento mais acelerado e, consequentemente uma sintomatologia semelhante à de indivíduos idosos mais precocemente. Porém, o sujeito com a trissomia 21 pode sofrer maiores danos em sua anatomofisiologia, pois as alterações decorrentes do envelhecimento somam-se às já provenientes da síndrome. Com os avanços da medicina, a expectativa e a qualidade de vida deste indivíduo aumentou considerávelmente, possibilitando sua observação.
     Este estudo motivou-se também pela restrita bibliografia sobre os aspectos envolvidos na motricidade orofacial do portador de SD em idade avançada.

MATERIAL E MÉTODO

     O tipo de pesquisa utilizada foi o estudo de caso, efetuada em um indivíduo portador de SD em idade avançada.
     O levantamento dos dados descritos foi obtido através de análise dos resultados de uma Avaliação Miofuncional Oral baseada no Roteiro para Avaliação Miofuncional, proposto por Junqueira (2005) e no Protocolo MBGR de Avaliação Miofuncional Orofacial elaborado por Marchesan et al. (2009), sendo realizada em um paciente do sexo masculino, portador de SD de 57 anos. A avaliação foi efetuada no dia 09-09-2010. Os dados obtidos foram analisados qualitativamente, sendo descritos todos os dados relevantes.
     A avaliação consistiu na observação dos órgãos fonoarticulatórios (lábios, língua, bochechas, palato duro, palato mole, mandíbula, tonsilas palatinas e arcada dentária) e funções estomatognáticas (sucção, mastigação, deglutição, respiração e fonação). Para a observação das estruturas fonoarticulatórias foram utilizadas luvas de látex para procedimento Supermax®, espátulas de madeira Estilo® e lanterna clínica PenLight Plus®. Para a respiração utilizou-se o espelho nasal milimetrado de Altmann Pró-Fono®. A avaliação da sucção e deglutição de líquido foi feita por meio do uso de suco Del Valle® sabor laranja com copo e canudo descartáveis. Para avaliação da mastigação e deglutição de sólido foi utilizado pão francês. A ausculta cervical foi realizada com estetoscópio Rappaport Premium®.

RESULTADOS

     Durante a avaliação dos aspectos morfológicos e postura dos órgãos fonoarticulatórios constatou-se lábios em postura ocluída, tendo com presença de fissuras; a língua apresenta tonicidade hipotônica postura contra os incisivos superiores e inferiores, fissuras em seu dorso e papilas gustativas hipertrofiadas; bochechas simétricas porém hipotônicas e caídas; palato duro ogival; palato mole com aspecto normal; úvula e tonsilas hipertrofiadas (a visualização da úvula e das tonsilas somente foi possível após algumas tentativas, pois a língua por ser muito volumosa impossibilitava esta visualização).
     A arcada dentária apresenta mal estado de conservação, estando ausentes quase todos os dentes, restando apenas alguns anteriores. O paciente utiliza prótese dentária parcial superior e inferior. Sua oclusão é Classe I de Angle e a linha média está adequada.
     No que se refere à mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios os lábios apresentam mobilidade adequada para protrair, retrair e estalar, estando alterados os movimentos de lateralização e vibração. A língua executou melhor os movimentos de protrair, retrair, estalar, afinar, elevar e lateralizar bilateralmente, apresentando dificuldades apenas em vibrar e alargar. As bochechas apresentaram mobilidade diminuída para inflar unilateralmente. O movimento de inflar bilateralmente executou sem dificuldades. A ATM apresentou estalidos, mas a mobilidade está adequada para abrir, fechar e anteriorizar, exceto para movimentos de lateropulsão.
     A respiração é do tipo mista e modo nasal. A sucção é eficiente, porém com pressão diminuída. Durante a avaliação da mastigação o paciente referiu muita dificuldade em adaptar-se à mastigação com a utilização da prótese, preferindo sempre retirá-la. Portanto, foi observada preensão do alimento com incisão anterior, trituração inexistente, havendo apenas o amassamento do alimento com a língua contra o palato, resultando em movimentação lenta, oclusão labial ausente, participação exagerada da musculatura perioral e presença exagerada de movimentos rotatórios de mandíbula.
     A deglutição apresenta na fase oral alterações como protrusão anterior de língua, participação da musculatura perioral, projeção de cabeça e contração do mentual. Na fase faríngea observou-se tosse após a deglutição e ausculta cervical bastante ruidosa. Há presença de resíduos em cavidade oral e vestíbulo após a deglutição. O paciente referiu “alimento preso na garganta”, o que sugere estase em valéculas.


DISCUSSÃO

     Na avaliação constatou-se o que muitos autores já relatam, a musculatura de lábios, língua e bochechas no portador desta síndrome quase sempre apresenta-se hipotônica, como afirmam Ideriha (2005), Pérez; Moreno (2006), Macho e col. (2008), Barata; Branco (2010) e Carvalho; Campos; Crusoé-Rebello (2010). Esta hipotonia intra e extra oral resulta em dificuldades durante a alimentação. As funções estomatognáticas de sucção, mastigação e deglutição são prejudicadas. O mal funcionamento das mesmas, por fim, interfere no desenvolvimento craniofacial (Pérez; Moreno, 2006; Carvalho; Campos; Crusoé-Rebello, 2010).
     Na língua, evidenciaram-se os seguintes aspectos: fissuras no dorso e papilas gustativas hipertrofiadas. Tais alterações são citadas por Cavalcante et al (2009) e Macho e col. (2008) como sendo comuns nestes indivíduos. Em especial, a hipertrofia de papilas gustativas que também é encontrada em idosos, pois a hipertrofia de estruturas intraorais é característica do envelhecimento.
     A diminuição da mobilidade está diretamente relacionada à hipotonia presente em lábios, língua, bochechas, palato mole e úvula. Para Macho e col. (2008), a mobilidade da mandíbula também sofre alterações na SD. Alterações oclusais como subdesenvolvimento da maxila, prognatismo, mordida aberta anterior e Classe III ocasionam disfunções da ATM.
     Segundo Barata; Branco (2010), a maioria dos portadores de SD apresenta como características anatômicas orofacias a face curta e alterações oclusais como mordida cruzada uni ou bilaterais e mordida aberta. O desenvolvimento anormal da oclusão pode ser consequencia da hipotonia dos músculos temporal e masséter, hiperfuncionalidade das articulações temporomandibulares, respiração bucal, protrusão de língua, deglutição adaptada, crescimento insuficiente ântero-posterior e vertical.
     No que se refere à função respiratória, observou-se no paciente respiração do tipo nasal e modo costodiafragmático. O caso estudado apresentou portanto um tipo respiratório não muito comum na SD. Segundo Ideriha (2005), Macho e col. (2008), Barata; Branco (2010) e Carvalho, Campos, Crusoé-Rebello (2010) a respiração oral é o tipo respiratório mais comumente encontrado nesta síndrome. Deve-se muitas vezes à hipertrofia de tonsilas palatinas, adenóides e papilas gustativas (Macho e col., 2008). Já foi citado que o paciente apresenta papilas gustativas hipertrofiadas, mas como sua respiração é adequada, fica claro que esta alteração por si só não interferiu no modo respiratório.
     A sucção mostrou-se eficiente, porém com pressão intra oral diminuída. Ideriha; Limongi (2007), afirmam que na SD, as funções estomatognáticas, inclusive a sucção, prejudicam-se com a diminuição do tônus. A tonicidade intra e extra oral na SD está comprometida.
A mastigação também sofre com a tonicidade diminuída dos músculos masséter e temporal, pois a hipotonia muscular orofacial provoca um desequilíquio entre as forças das musculaturas oral e facial (Barata; Branco, 2010). Além desta alteração, existem outras importantíssimas que podem comprometer esta função, sendo elas a maloclusão e a distunção da ATM. (Ideriha, 2005; Barata; Branco, 2010).
     A função mastigatória mostrou-se bastante deficiente devido também à não adaptação do paciente à prótese dentária. Sua compreensão limitada não o permitiu aceitar e procurar adaptar-se. A consequência é uma mastigação praticamente inexistente, já que o paciente apresenta poucos elementos dentários. A fase de trituração foi substituída pelo movimento de “amassamento” do alimento com a língua. Desta forma, os movimentos mastigatórios tornaram-se lentificados e exagerados, mesmo assim, o paciente consegue realizar movimentos rotatórios de mandíbula.
     Segundo Lima et al. (2007), a mastigação relaciona-se ao número de dentes presentes, perda de suporte oclusal, tipo e qualidade da prótese, força máxima de mordida, presença de sequelas orais e tipo de dieta. O edentulismo total ou parcial está associado a uma diminuição funcional que pode interferir na saúde sistêmica do indivíduo.
     Além do edentulismo, portadores de SD podem apresentar alterações mastigatórias em decorrência de problemas dentários. Macho e col. (2008) referem que são alterações de erupção, número, forma, tamanho e estrutura, além da perda precoce de dentes. Já Ideriha (2005), cita alterações tais como: oligodontia, fusão de dentes, microdontia, implantação irregular dos dentes, erupção atrasada, incisivos centrais em meia lua, incisivos laterias conoides e hipocalcificação. Por fim, Pérez; Moreno (2006) e Cavalcante et al. (2009), citam o atraso na erupção dentária.
     Das alterações dentárias citadas acima foi observado no paciente em questão, apenas o edentulismo, que acredita-se estar relacionado aos problemas periodontais decorrentes da idade avançada.
     O portador de SD, como afirma Carvalho; Campos; Crusoé-Rebello (2010), é mais suceptível à doença periodontal. Segundo estes autores, os mecanismos responsáveis pela agressão ao periodonto pelos microorganismos da placa bacteriana estão divididos em duas categorias: a de efeitos diretos e a de efeitos indiretos. Os efeitos diretos seriam os fatores microbianos, que atuam diretamente sobre os tecidos, causando danos. Já os efeitos indiretos são os fatores autolesivos produzidos pelo hospedeiro, resultando em inflamações e fenômenos imunológicos em resposta à agressão bacteriana. Portanto, o alto índice de doença periodontal, também está relacionado à deficiência na capacidade de defesa do hospedeiro.
     Relaciona-se ainda à perda precoce de elementos dentários e os problemas periodontais à outro fator: a higienização oral deficiente. Devido ao comprometimento intelectual, o sujeito com SD apresenta higienização oral precária, agravando o surgimento de doenças periodontais. Portanto, pode-se afirmar que, indivíduos nesta condição, apresentam alto índice de perda de elementos dentários (Macho e col., 2008; Cavalcante et al., 2009; Carvalho; Campos; Crusoé-Rebello, 2010).
     A deglutição foi a função estomatognática onde mais encontraram-se relações entre a SD e o envelhecimento. Principalmente na fase faríngea. Na avaliação o paciente apresentou sintomas de uma presbifagia. Segundo Marcolino et al. (2009), a presbifagia caracteriza-se pelas modificações e alterações na condução do bolo alimentar da cavidade oral até o estômago nos indivíduos saudáveis que se encontram na fase do envelhecimento. Algumas destas alterações foram encontradas durante a avaliação. São elas: projeção de cabeça, presença de tosse após a deglutição, presença de resíduos em cavidade oral, queixa de alimento preso na garganta após a deglutição e ausculta cervical ruidosa.
     Devido à ausência de dentes e a não adaptação do paciente à protese dentária, a fase oral da deglutição apresentou-se bastante comprometida. A etapa mastigatória inviabilizou a formação do bolo alimentar, comprometendo as fases oral de forma direta e a faríngea indiretamente. Constata-se assim, que o envelhecimento está causando a lentificação da fase oral. As modificações estruturais da cavidade oral, associadas ao comprometimento da dentição e o desuso da prótese dentária justificam este processo.
     Com o avanço da idade, ocorrem mudanças evidentes na dinâmica da deglutição devido à mudança na força muscular, na mobilidade e na coordenação orofaríngea e sensibilidade faríngea diminuída. (Dantas, 2008) Os sintomas de disfagia são mais evidentes na população idosa normal por volta dos 75 anos de idade, enquanto que nas pessoas com SD os mesmos sintomas já começam a aparecer a partir dos 50 anos. (Lazenby, 2008)
     Foi observado que a dificuldade de deglutição do paciente avaliado aumenta de acordo com o aumento do volume e consistência do alimento. Tudo devido à alterações na fase oral, relacionando-se ao preparo, organização e ejeção do bolo. Fica claro também que este paciente não ingere alimentos sólidos, apenas pastosos e líquidos. A ausência dos dentes impossibilita a trituração do sólido, fazendo com que o paciente rejeite esta consistência.
     As alterações de fala não foram devidamente avaliadas, pois não eram o foco deste trabalho. Apenas foi observada a fala espontânea. Durante tal observação, puderam ser percebidas algumas alterações fonéticas como substituições e omissões de fonemas. Sabe-se que pacientes com alterações miofuncionais nos órgãos fonoarticulatórios, como o sujeito deste estudo, tendem a sofrer com a diminuição da coordenação para os movimentos não somente nos aspectos relacionados às funções de sucção, mastigação e deglutição, mas também na fonação. Portanto, em um paciente como o estudado, onde evidenciaram-se tantas alterações miofuncionais orais, já era esperado que apresentasse alterações na produção dos fonemas.

CONCLUSÃO

     Com base nas evidências clínicas encontradas constatou-se que um portador de SD adulto apresenta maiores complicações em sua motricidade oral em decorrência do envelhecimento mais acelerado. Portanto, o sujeito estudado, apresentou ainda aos 57 anos, algumas alterações nos órgãos fonoarticulatórios e funções estomatognáticas tais como hipotonia dos órgãos fonoarticulatórios; hipertrofia de úvula, tonsilas palatinas e papilas gustativas; ausência de dentes; alteração na mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios; dificuldade na função mastigatória e sintomas de presbifagia. Estas alterações observadas são comumente encontradas em indivíduoas normais em uma idade mais avançada. Sendo assim, evidencia-se que aos 57 anos de idade, o paciente analisado já apresenta alterações anatomofuncionais que em indivíduos normais são mais encontradas por volta dos 75 anos.
     O paciente avaliado, portanto, apresenta maiores alterações miofuncionais orais do que indivíduos normais, pois as alterações provenientes da síndrome somadas às alterações decorrentes do envelhecimento acelerado tornam a motricidade orofacial deste paciente ainda mais comprometida.
     Ao final do estudo percebe-se a necessidade de aprofundar esse assunto, por meio de novas pesquisas, utilizando recursos de avaliação mais objetivos como exames de imagem (videoendoscopia da deglutição e videofluoroscopia da deglutição) e eletromiografia.


REFERÊNCIAS

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ANEXO

AVALIAÇÃO MIOFUNCIONAL OROFACIAL
Nome:                                                                                              Idade:                 Data:

1. Aspectos Morfológicos e Postura
Lábios:
( ) fechados ( ) antreabertos ( ) possibilidade de vedamento ( ) dificuldade de vedamento
( ) superior encurtado ( ) superior fino ( ) inferior com eversão ( ) avolumados
Língua:
( ) normal ( ) alargada ( ) sem ponta
( ) marcas nas laterais ( ) na papila palatina ( ) na região alveolar inferior ( ) no assoalho oral
( ) entre os dentes
( ) frênulo da língua normal ( ) frênulo da língua encurtado ( ) macroglossia
Bochechas:
( ) simétricas ( ) assimétricas
( ) marcas ou ferimentos internamente
( ) direita mais avolumada ( ) esquerda mais avolumada ( ) ambas avolumadas
( ) direita caída ( ) esquerda caída ( ) ambas caídas
Palato duro:
( ) normal ( ) ogival ( ) atrésico ( ) plano ( ) profundo
Palato mole:
( ) normal ( ) úvula normal ( ) úvula bífida ( ) úvula ausente ( ) úvula hipertrofiada
( ) úvula lateralizada ( ) D ( ) E
Tonsilas Palatinas:
( ) presentes ( ) ausentes
( ) hipertrofia unilateral ( ) D ( ) E ( ) hipertrofia bilateral ( ) atrofiadas
Dentição:
( ) decídua ( ) mista ( ) permanente
Arcada dentária:
( ) bom estado de conservação ( ) mal estado de conservação
( ) próteses ( ) aparelho fixo ( ) aparelho móvel
Oclusão:
( ) Classe I ( ) Classe II – divisão primeira ( ) Classe II – divisão segunda ( ) Classe III
( ) mordida aberta anterior ( ) mordida aberta posterior unilateral ( ) D ( ) E
( ) mordida cruzada anterior ( ) mordida cruzada posterior unilateral ( ) D ( ) E
( ) sobremordida ( ) mordida em topo
1. Linha média: ( ) normal ( ) desviada
Nariz:
( ) base alargada ( ) narinas estreitas ( ) desvio de septo
Olhos:
( ) simétricos ( ) caídos ( ) presença de olheiras

2. Tonicidade
Lábios:
( ) normais ( ) hipotônicos ( ) superior hipotônico ( ) inferior hipotônico ( ) hipertônicos
Língua:
( ) normal ( ) hipotônica ( ) hipertônica
Bochechas:
( ) normais ( ) hipotonicidade bilateral ( ) hipotonicidade unilateral ( ) D ( ) E
( ) hipertônicidade unilateral ( ) hipertônicidade bilateral ( ) D ( ) E
Mentual:
( ) normal ( ) hipotônico ( ) hipertônico

3. Mobilidade
Lábios:
( ) normal ( ) alterada ( ) presença de tremor ( ) protrair ( ) retrair ( ) estalar ( ) vibrar
Língua:
( ) normal ( ) alterada ( ) presença de tremor
( ) protrair ( ) retrair ( ) estalar ( ) vibrar ( ) afinar ( ) alargar ( ) elevar ( ) sugar
( ) lateralizar externamente ( ) D ( ) E ( ) lateralizar internamente ( ) D ( ) E
Bochechas:
( ) inflar bilateralmente ( ) inflar direita ( ) inflar esquerda ( ) inflar alternadamente
Mandíbula:
( ) normal ( ) abrir ( ) fechar ( ) lateralizar ( ) D ( ) E ( ) anteriorizar
( ) desvio na abertura ( ) D ( ) E ( ) desvio no fechamento ( ) D ( ) E
1. ATM: ( ) estalidos ( ) presença de dor

4. Funções Estomatognáticas
Respiração:
1.Tipo: ( ) nasal ( ) oral ( ) mista
2. Modo: ( ) costal superior ( ) diafragmática ( ) costodiafragmático
3. Teste do espelho milimetrado: ( ) saída de ar bilateral ( ) saída de ar maior à direita
( ) saída de ar maiora à esquerda
Sucção:
( ) eficiente ( ) ineficiente
Mastigação:
( ) normal ( ) alterada
1. Incisão: ( ) anterior ( ) lateral
2. Trituração: ( ) dentes posteriores ( ) dentes anteriores ( ) amassamento com a língua
( ) movimentos lentos ( ) movimentos rápidos ( ) ruidosa
( ) lábios ocluídos ( ) lábios abertos ( ) interposição de lábio inferior
( ) participação exagerada musculatura perioral ( ) movimentos rotatórios de mandíbula
( ) movimentos verticais de mandíbula ( ) dor
3. Padrão mastigatório: ( ) bilateral ( ) unilateral ( ) D ( ) E
( ) bilateral com preferencial à ( ) D ( ) E
Deglutição:
( ) normal ( ) alterada ( ) ruidosa
( ) protrusão anterior de língua ( ) protrusão lateral de língua ( ) participação da musculatura oral
( ) vedamento labial presente ( ) vedamento labial ausente ( ) projeção de cabeça
( ) interposição de lábio inferior ( ) contração do mentual ( ) engasgo ( ) odinofagia
1. Tosse: ( ) ausente ( ) durante ( ) após
2. Ausculta cervical: ( ) normal ( ) alterada
3. Resíduo: ( ) não permanece ( ) presente em cavidade oral ( ) vestíbulo
Fala:
( ) normal ( ) ceceio anterior ( ) ceceio lateral ( ) interposição de língua anterior
( ) acúmulo de saliva nas comissuras
( ) substituições ( ) omissões ( ) distorção ( ) outros