segunda-feira, 9 de julho de 2012

Alterações da fala de origem musculoesquelética: Compreender para melhor tratar

As alterações da fala sempre foram reconhecidas como sendo da clínica fonoaudiológica, mesmo no princípio da profissão, quando poucos sabiam quem era o fonoaudiólogo e para quem era dirigido o seu trabalho. Ao longo dos anos a ciência produziu construções importantes que nos levaram a entender as diferenças entre alterações de fala de origem fonológica e de origem fonética. Ainda hoje, entretanto, muitas alterações da fala, decorrentes de alterações anatômicas e funcionais da face ou da cavidade oral e de suas estruturas, sem alteração do componente fonológico, causam dúvidas quanto ao seu tratamento.
    
Quando um profissional se depara com alterações de fala, excluídos os fatores fonológicos, é preciso verificar se a alteração pode ter alguma relação com características do sistema estomatognático. Quadros como hipertrofia de tonsilas palatinas ou faríngeas, alterações da oclusão dentária, disfunção temporomandibular, hipofunção muscular de língua ou lábios, respiração oral e seus decorrentes, limitação de frênulo lingual, entre outros, podem colaborar para a instalação de problemas de fala que ficarão mascarados caso o fonoaudiólogo não os considere na avaliação e, consequentemente, no tratamento.
     
Tomemos como exemplo o caso de uma mordida aberta anterior. O posicionamento de língua, nesse caso, é fundamental para o entendimento da etiologia e do tratamento dessa alteração oclusal. A própria condição pode favorecer o surgimento de um ceceio anterior. Em alguns casos, com a correção do trespasse vertical, há uma ajuste natural da postura lingual. Em outros, a mordida não fechará facilmente, pois outras podem ser as características que colaboram para a manutenção do quadro oclusal. Entre as alterações citadas, a de frênulo lingual sempre é um fator importante a ser considerado nas alterações de fala. Os estudos recentes da área (MARCHESAN, 2004; MARCHESAN, 2010) mostram que não há somente um tipo de frênulo alterado, ou mais facilmente reconhecido. Ao contrário, os autores apontam a existência de pelo menos três variações, além da clássica anquiloglossia, com língua totalmente fixada no assoalho da boca. São eles: o anteriorizado (quando na face inferior da língua, a fixação estiver acima da metade); o curto (com fixação no meio da face inferior da língua), como no frênulo normal, porém de menor tamanho; o curto e anteriorizado (apresenta uma combinação das características do frênulo curto e do anteriorizado).
     
Dados recentes de trabalhos com frênulo lingual em cadáveres e também oriundos de estudos clínicos (OLIVEIRA et al. 2010; WITWYTZKYJ et al., 2012) indicam que é possível objetivar a alteração do frênulo lingual e, com isso, o que se esperar como resultado terapêutico. Além disso, esses trabalham indicam que devemos avançar no sentido de identificar quais são as alterações esperadas em cada grau de frênulo lingual, em aspectos funcionais e posturais da língua. As alterações de fala, de acordo com Wertzner (2004), envolvem dificuldades nas habilidades motoras da produção de sons e podem ocorrer devido a imprecisão de zona de articulação, tempo, pressão e velocidade da produção, resultando em um som não padrão da fala. A importância de reconhecer cada quadro é porque, mesmo no caso de uma limitação no frênulo lingual, nem sempre a alteração é assim tão explícita. Por exemplo, o problema pode manifestar-se apenas na postura lingual e resultar na dificuldade em finalizar um caso ortodôntico. Podendo se manifestar na limitação da elevação da porção lateral da língua e a resultante pode ser uma distorção na produção dos fonemas fricativos S e Z; ou africados tz e dz. E possível, ainda, que a limitação da elevação de ponta de língua seja o principal problema e, nesse caso, poderá ser observado desde a omissão dos fonemas l; r ou lh, a distorção desses fonemas, que serão produzidos em local de medial a posterior na cavidade oral, geralmente produzidos com o dorso médio da língua contra o palato duro. Ainda há a possibilidade de haver apoio de lábio inferior, tornando a produção de um l ou r como uma semivogal. Também haverá casos em que, embora a alteração do frênulo esteja presente, há uma perfeita compensação, fazendo que somente testes mais sensíveis consigam captar e registrar o que, ao ouvido humano, soará como normalidade. E, nesse sentido, não há o que ser tratado. A colaboração dessa discussão para a clínica fonoaudiológica é a compreensão de que o mais importante é considerar e entender essas diferenças. Nesse sentido, a reflexão nos faz pensar que, cada vez mais, é necessário que nós, fonoaudiólogos, passemos a considerar, durante a avaliação, que há características muito peculiares a cada tipo facial e estruturas que compõem o sistema estomatognático. Além disso, é importante que cada vez mais nos apossemos e contribuamos com dados e pesquisa para tornar nossa prática mais fidedigna. Identificar cada subtipo de alteração de fala, validar as estratégias terapêuticas e seus efeitos parecem ser o caminho a percorrer no presente.
 
Fonte: TOMÉ, M.C. Revista Comunicar. Ano XIII, abril-junho, 2012. 

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